A educação sozinha não
transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. A frase
é de um dos maiores pensadores da pedagogia do Brasil e do mundo,
Paulo Freire, falecido em 1997. Com sua saga para levar o ensino e a
consciência crítica aos mais necessitados, ele serve de inspiração
para uma geração de professores. Um de seus discípulos é o
filósofo, autor de livros como a “A Escola e o Conhecimento” e
“Não nascemos prontos”, mestre e doutor em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde é
professor titular do Programa de Pós-Graduação em Educação
(Currículo), Mario Sergio Cortella, de quem Freire foi orientador no
mestrado.
Assim como Freire, Cortella enxerga na educação
muitas saídas para problemas da sociedade. Porém, critica o fato de
inúmeras famílias transferirem sua responsabilidade para as
instituições escolares. Ele fala ainda da questão escola pública
versus particular e como a educação está vinculada à ética,
mídia, religião e tecnologia. Leia, a seguir, a entrevista com o
filósofo.
Conhecimento Prático Filosofia – Há muito
tempo, a escola deixou de lado sua função primeira de educar para
assumir também o papel social. Dentro do contexto filosófico, qual
o peso de cada instituição?
Mario Sergio Cortella - Outro dia, um pai de
aluno me perguntou: “qual o senhor acha que deve ser o papel da
família para colaborar com a educação dos nossos filhos na
escola?”. Eu disse a ele, com todo o respeito, que havia um
equívoco na formulação da questão, porque não cabe à família
colaborar com a escola na educação, mas exatamente o contrário, é
a escola que colabora, a família é responsável.
A escola assumiu muitas tarefas nos últimos 20
anos, especialmente a escola pública, porque ela é parte da rede de
proteção social e, por isso, desempenha tarefas do Estado, entre
elas a proteção à vida, segurança e liberdade dos indivíduos.
Por isso, cabe sim à escola oferecer educação para o trânsito,
ecológica, sexual e até alimentar. Mas não cabe ao Estado, via
escola pública, substituir a responsabilidade que a família tem, a
menos que ela esteja em situação de descuido total. Cabe à
instituição promover a autonomia, a solidariedade e a formação
crítica, mas a responsabilidade principal continua sendo da família
e ela não pode se eximir disso.
CP Filosofia - Você defende que a escola
pública traz mais benefícios aos indivíduos, já que, nas
instituições particulares, há uma grande inclinação ao
capitalismo e à concorrência. Mas todos nós sabemos que, na escola
pública, as crianças ficam abandonadas à própria sorte...
MSC - Depende da escola. Uma parcela das
escolas privadas tem um nível mercantil, no sentido puro e simples,
outras, não. O foco não deve ser escola pública versus escola
particular, mas sim escola boa versus escola ruim. Nós temos escolas
públicas de nível bastante elevado e outras, precário. A mesma
coisa vale para a escola privada. Porém, existe uma lista imensa das
particulares que são facilmente ultrapassadas pelas públicas de
nível mediano. Então, não podemos cair nessa armadilha. Vale
lembrar que a escola privada no Brasil só representa 13% do total.
Quando estamos falando em educação escolar no
Brasil estamos nos referindo aos 87% da rede pública. Por isso, é
necessário que os governantes tenham um compromisso real com a
educação, com a realização de avaliações e exames periódicos,
de maneira que o País possa dar os passos para a saída da
indigência. Apesar de, muitas vezes, o compromisso que vários dizem
ter com a educação ser meramente conveniente e eleitoral, nos
últimos 15 anos, seja na gestão do Fernando Henrique Cardoso ou do
Lula, demos início a esse processo. Fazer isso com eficiência,
entretanto, exige parcerias com o mundo da sociedade privada,
compromisso dos empresários, além da atenção de pais e mães como
cidadãos. O que agrava a situação é a omissão de qualquer tipo.
CP Filosofia - Por mais que a família e a
escola sejam atuantes na formação do indivíduo, não podemos
renegar a relevância da mídia como fator de influência na vida das
pessoas. E muitas vezes, por sinal, ela orienta de forma errada. Em
sua opinião, qual a solução para esse dilema?
MSC - A mídia de natureza privada é
majoritária no Brasil, mas, se nos referirmos aos meios de
comunicação, ela é uma concessão do Estado. Por isso, cabe a ele,
dentro dos níveis da democracia, fazer não a censura, mas exigir
que sejam cumpridos os elementos indicados nessa concessão pública.
Por outro lado, os meios de comunicação se sustentam à base de
publicidade. Isso significa que há um papel forte dos proprietários
da mídia para que ela caminhe em direção da ética e da decência
e auxilie na elevação das condições de vida e de consciência de
uma nação.
Contudo, é necessário que o cidadão, se detectar
em determinado tipo de mídia um encaminhamento negativo de valores,
uma deformação dos conteúdos éticos, um consumismo e materialismo
devastadores, boicote não só o veículo como os produtos que o
financiam. Eu, por exemplo, não compro qualquer marca de cerveja que
utilize sexismos em suas mensagens. Além de não comprar, divulgo a
minha posição. Mas não basta que eu me recuse isoladamente, é
preciso que eu junte mais gente nessa mesma lógica. Esta também é
uma maneira de educar a mídia para que ela caminhe em uma direção
de decência.
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